[Resenha] Uma Constelação de Fenômenos Vitais - Anthony Marra

Livro: Uma Constelação de Fenômenos Vitais
Autor: Anthony Marra
Editora: Intrínseca
Número de páginas: 332
Classificação: 3,5/5

Minha Opinião

Em menos de uma semana, este foi o segundo livro que li, que se passa na época da guerra. Desde o momento em que bati os olhos nessa capa, e no título - que curiosamente chamou mais atenção do que a capa em si -, nutri uma expectativa enorme quanto a leitura.
Tramas ambientadas durante a guerra, geralmente - pra não dizer sempre - exercem um estranho poder sobre mim. Não há um livro sobre guerra que não tenha me feito chorar. Bem, isso acabou de mudar.
"Vida: uma constelação de fenômenos vitais - organização, irritabilidade, movimento, crescimento, reprodução, adaptação" (pág.167)

Havaa, de 8 anos, testemunha sua casa pegando fogo, logo após seu pai ter sido levado embora por soldados russos. A garota é encontrada na floresta por seu vizinho, Akhmed, que acredita que ela ficará a salvo em um hospital abandonado, comandado por uma única médica.
Sonja, a cirurgiã chefe que comanda o hospital realizando amputações em pacientes dilacerados por minas terrestres, tenta argumentar com Akhmed que o hospital não é um orfanato, mas logo é convencida por ele a deixá-la permanecer ali, em troca dele trabalhar para ajudá-la.
"Eu amputei mil e seicentas e quarenta e três penas. Você amputou três e acha que tem o direito de me diagnosticar?" (pág. 147)
Minha relação com livros altamente elogiados no Goodreads é sempre tensa. Mesmo que eu lute contra, a expectativa é sempre um fator que me corrói por dentro. E esse foi o caso dessa obra. Ao saber que se passava durante a Primeira e Segunda Guerra da Chechênia, eu me obrigei a amá-lo, mas as coisas não funcionaram assim.
Primeiramente, é reconhecível o talento indescritível do autor. Marra nem de longe deixa transparecer que este é seu primeiro romance. Ele escreve com o conhecimento de quem já tem dezenas de obras publicadas, e nem em um milhão de anos eu adivinharia que está era sua estreia. Isso já fica claro já nas primeiras linhas, e também pela grandiosa pesquisa que realizou sobre a Chechênia e suas guerras. No site do autor, inclusive, temos fotos do período em que ele visitou o país para suas pesquisas. Aconselho que você dê uma espiadinha lá antes de iniciar a leitura do livro, pois ajuda na hora de "montar" um cenário na mente.
Sua escrita é elegante e equilibra uma linguagem poética com passagens prosaicas. Em um primeiro momento estranhei ler um foda-se em meio a parágrafos floreados e líricos. Em um segundo momento me acostumei com essa constante variação. Amo quando autores se permitem ousar. Os diálogos entre Sonja e Akhmed são prova disso, com seus toques bem vindos de humor, em meio ao caos e amputações.
" O trabalho da vida de alguém poderia ser esfregar vasos sanitários. Um trabalho não é significativo apenas porque a pessoa o faz durante toda a vida" (pág. 53)
O meu conhecimento sobre a Chechênia era zero, afora o fato dela ter pertencido a antiga União Soviética. A leitura me proporciou um alto conhecimento sobre os períodos da 1º e 2º guerra da Chechênia. E quando digo alto, quero dizer que sim, tiveram momentos enfadonhos, o que não tira o mérito da narrativa. A história do país é fascinante, e em alguns trechos eu quase podia visualizar um guia discorrendo sobre a destruição provocada na capital Grozny, ou sobre a expatriação dos chechenos. Contudo, Anthony constantemente se perdia em detalhes, que transformavam uma simples saída de Sonja em busca de suprimentos para o hospital, em uma odisséia de 10 páginas. Pode soar extremamente contraditório, mas parece que as 332 páginas foram poucas para transmitir tanto conhecimento sobre um longo período da história.
Apesar de abordar apenas os 5 dias em que Havaa permanece no hospital, o enredo abrange alguns anos após a dissolução da União Soviética (1994), até 2004. São 10 anos, com constantes saltos no tempo. Como eu adoro um desafio, e livros que além de entreter agregue alguma espécie de conhecimento, gostei da forma como o autor nos coloca para pensar, e lembrar de cada personagem no vaivém do tempo.

Sobre os personagens, todos eles tem algo em comum: a dor da perda. Seja pela irmã que sumiu sem avisar, ou o pai desaparecido, ou a incapacidade da esposa por causa de uma doença. Todos eles são sobreviventes de alguma forma, e caminham rumo ao futuro desconhecido, com a esperança de suas doces lembranças. Apesar de explorar o lado humano de cada um, não senti aquela empatia necessária para me conectar aos seus dramas, e chorar por eles. Não derramei nenhuma lágrima, quando jurava que transformaria minha sala em um rio.
Mas de alguma forma, cada traço da personalidade deles, ficará gravado em mim por muito tempo: a ingenuidade e sagacidade da pequena Havaa, o altruísmo de Akhamed, a inflexibilidade e humor variável de Sonja, o amor e humanidade de Natasha, a preocupação de Dokka, a culpa de Ramzan, o sacrifício de Khassan. Nunca vou me esquecer do médico que se formou entre os dez piores (Akhmed), e da médica (Sonja) que se formou entre os melhores.
O que mais me surpreendeu, foi as coincidências que ligavam a vida de cada personagem. Suas vidas se entrelaçavam de maneira simples, mas o peso de cada descoberta liberava centelhas de pequenas choques em mim. Era como se Anthony estivesse dizendo: está vendo, nada é tão simples como parece. O acaso pode ser uma constelação de fenômenos vitais, que se interligam.

A diagramação é bem simples, e as páginas amarelas confortáveis para a leitura. A revisão tem alguns deslizes, achei um nome de personagem trocado, que provavelmente será corrigido nas próximas edições. A capa à primeira vista parece simples, mas em mãos é bem mais bonita, salpicada de estrelas em dourado. Gostei bem mais do que a original.

Uma Constelação de Fenômenos Vitais explora pequenas casualidades em meio a uma guerra devastadora. Sensível e comovente, triste e engraçado. Inesquecível.


14 comentários:

  1. Gosto dos livros sobre o tema da guerra. Há sempre histórias emocionantes.
    A sua resenha, no entanto, enriquece a sinopse e, consequentemente, coloca em nós a vontade de conhecer a obra.

    Obrigado pela dica.

    http://soubibliofila.blogspot.com.br/

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  2. Oi Jacque

    Achei sua resenha fantástica apesar de um um pouco contraditória. Li e reli tentando encontrar algum momento em que você dissesse o que não te agradou na história, principalmente depois de nossa conversa no Twitter ontem. Você reclama o detalhismo do autor ao mesmo tempo que elogia. Você não sentiu empatia pelos personagens, mas a personalidade deles ficará marcada em você. Não consegui visualizar claramente porque o livro não te agradou, foi por causa da emoção que ele não despertou em você? Suas resenhas sempre me dão um norte na hora de escolher uma leitura e nossos gostos são bem parecidos, mas fiquei na dúvida se leio ou não leio ele, até porque história que são ambientadas na Primeira ou Segunda Guerra me atraem demais.

    Beijos
    Mundo de Papel

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    Respostas
    1. Oi cah.
      Então, por isso foi tenso resenhar o livro. Essa é uma história tão grandiosa, que se torna quase impossível colocá-la para baixo. Meu descontentamento foi com a falta de emoção e conexão com os personagens. Foi como se eles não estivessem acessíveis. É complicado explicar rs Os muitos detalhes também foram um problema, apesar de não terem me incomodado tanto a ponto de classificar a leitura como regular. O resumo é: é um livro bom ,que merece ser lido.

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  3. Realmente parecer ser um desses livros que fogem totalmente do padrão.
    Com certeza entrou para a minha lista de leitura!
    Beijinhos
    Rizia - Livroterapias

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  4. Ola
    que capa linda essa, não conhecia esse livro e me interessei gosto de histórias assim.
    Fiquei curiosa e se você gosta de livros assim indico a trilogia O Século.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

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  5. Oi Jacque
    Menina, eu vi esse livro pela primeira vez semana passada na saraiva, nao sabia do que se tratava, e me apaixonei pela capa. É muito linda mesmo.
    Agora lendo sua resenha conheci o contexto e adorei, gosto de livros com temas da história, fiquei bem curiosa e é certo que irei ler.

    Beijos

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  6. Oi Jacque, tudo bem?
    Esse livro parece ser intenso e cheio de detalhes. Mas confesso que no momentos não é o melhor tipo de leitura pra mim, mesmo amando histórias ambientadas na guerra. Dica anotada, mas para um futuro.
    Abraços,
    Amanda Almeida
    Você é o que lê

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  7. O título realmente é curioso, hein? E achei a capa muito bonita. Não sabia do livro, adorei poder ler sobre ele. E gostei por falar da 1º e 2º guerra, nunca li nada do tipo.
    beijos
    www.apenasumvicio.com

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  8. a capa é realmente linda, mas não leria porque não sou mt fã de livros q são ambientados na guerra sabe.

    Seguindo o Coelho Branco

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  9. É, eu acho que talvez a proposta do autor tenha sido essa coisa de deixar o personagem marcado. Não sei bem.
    Gosto de livros sobre guerras, e acho que gostaria mais ainda de um livro de guerra onde o maior elogio que fazem ao livro é sobre a construção e narrativa dele. Algo me encantou na sua resenha.
    Eu sou como você nesse negócio de notas no goodreads. Sempre vou com gás quando a nota é boa lá.

    bjus
    terradecrol.blogspot.com

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  10. Olá, Jacque.
    Confesso que ao chegar no seu blog e ver esse livro, sorri, porque o mesmo é desejado por mim desde o mês passado quando vi ele na livraria. Queria que sua opinião tivesse sido mais positiva sobre ele, mas mesmo assim vou dar uma chance, alho no livro me chama. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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  11. Oi Jacque!
    Não curto muito livros de guerra, mas este pareceu bem interessante... pena que tem essas partes mais "arrastadas", mas a história parece muito bem conduzida! E, afinal, não é preciso se derramar em lágrimas pra considerar um livro bom, né? ;)
    Bjus!
    Paty Algayer - Loucuras da Paty

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  12. Oi Jacque,
    Este livro parece ser muito interessante, acho que vou ler! Apesar de não ser muito fã de tempos de guerra...

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  13. Jacque, li apenas dois livros que se passavam na época da guerra, pelo menos que eu me lembre, mas gostaria muito de poder ler mais livros com este contexto. Esse com certeza foi para a minha lista de desejados! Parabéns pela resenha, super completa e explicativa!

    Beijos,
    Caroline, do criticandoporai.blogspot.com

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